Provocação, virtude que mais preza na literatura
Estado de São Paulo, 1°/1/2006

Antonio Calloni é ator, recentemente interpretou o vilão Olavinho na novela Começar de Novo, da Rede Globo. Também é escritor, seu novo livro é O Sorriso do Serapião (Bertrand Brasil, 109 págs., R$ 25). Tem outros títulos publicados como Amanhã Eu Vou Dançar (Bertrand Brasil, 124 págs., R$ 25), A Ilha de Sagitário (Bertrand Brasil, 108 págs., R$ 108) entre outros. Que livro você mais relê? E qual a sua impressão das releituras?

Releio poesias. Livros inteiros, poemas de diferentes autores. Gosto de reler Manuel Bandeira, Fernando Pessoa, Lorca, Manoel de Barros. A releitura é como a amada: por vezes o fogo impera e a messalina aparece sagrada e diabólica. Outras vezes, quem aparece é Eva, razoavelmente previsível, conhecida. Mas outras vezes, porém, aparece uma nova mulher com mil bocas, que, no final, você reconhece como sua. O movimento, para o bem e para o mal, é sempre constante.

Dê exemplo de um livro muito bom injustiçado, pelo público ou pela crítica.
Amanhã Eu Vou Dançar, de Antonio Calloni.

Cite um livro que frustrou suas melhores expectativas
A Noite do Oráculo, de Paul Auster.

E um livro surpreendente, ou seja, bom e pelo qual você não dava nada.
Divórcio em Buda, de Sándor Márai. É arrebatador.

A boa literatura está cheia de cenas marcantes. Cite algumas de sua antologia pessoal.
Todos os encontros do inspetor de polícia (não me recordo o nome) com Raskólhnikov - Crime e Castigo, de Dostoievski.

Que personagens são tão marcantes que ganham vida própria na sua imaginação de leitor?
É impossível deixar de lembrar de Dom Quixote de La Mancha, do seu ‘primo’ que cavalga no genial Fogo Morto, de José Lins do Rego. E da família de Vidas Secas.

Que livro bom lhe fez mal, de tão perturbador?
A Arte de Ser Feliz, de Schopenhauer, e Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche. São livros que tiram todas as muletas.

E que livro mais o fez pensar?
O Estrangeiro, de Camus.

De qual autor você leu tudo, ou quase tudo? Qual o motivo do interesse que ele desperta em você?
Manoel de Barros. Pelo seu personagem Bernardo - que é real -, mas que, quando escrito, vira criatura (real também). Pelo seu universo onírico infantil. Pela surpresa que causa. Pelo riso roubado, com a bênção de Deus, dos quadros de Miró.

Existe algum autor como o qual você jamais perderia seu tempo?
Autores que querem passar alguma mensagem, apontar caminhos para o bem, definir o mal, ou que têm a pretensão de responder a questões sobre a vida, o amor...

Cite um livro que foi fundamental em sua formação, mesmo que hoje você não o considere tão bom como na época em que o leu.
Estrela da Vida Inteira, de Manuel Bandeira. É tão bom quanto na época em que foi lido.

Você considera a literatura policial é um gênero menor? Se a resposta for negativa cite um livro maior do gênero. Se for positiva, diga por quê.
Rubem Fonseca é genial. Principalmente O Buraco na Parede. Não sei se é correto enquadrar um grande mestre em um só gênero; o Rubem vai muito além do policial. E digo isso sem desmerecer o gênero. A verdade é que não conheço nada da literatura policial.

Os livros de auto-ajuda são mesmo todos ruins, ou isso é puro preconceito da crítica? Caso, goste de algum deles, poderia citá-lo e justificar sua preferência?
Não sou contra os livros de auto-ajuda, mesmo porque nunca li um livro com esse enfoque. Tenho a vida e muitas pessoas que me ajudam. Gosto da literatura que provoca, destrói, faz renascer, entorta, ama loucamente e deixa a pessoa sempre em movimento. Até hoje, é essa a minha opinião.

Cite: - Um livro meio chato, mas bom
Livro bom nunca é chato.

- Um livro que você acha que deve ser muito bom mas jamais leu
A Montanha Mágica, de Thomas Mann.

- Um livro difícil, mas indispensável.
A Divina Comédia, de Dante Alighieri.

- Um livro que começa muito bem e se perde no caminho.
Fúria, de Salman Rushdie.

- Um livro que começa mal e se encontra.
Amor, etc., de Julian Barnes.

Que livros ficariam melhores se um pedaço fosse suprimido?
Os Maias, de Eça de Queiroz

De que livro você mudaria o final? Por quê?
Mudaria o final de dois adolescentes histéricos e suicidas: Romeu e Julieta. Levaria Romeu a um bordel. Daria 80 chibatadas em Julieta (ela iria adorar) e, para arrematar, receitaria caixas e caixas de Lexapro para cada um. Com certeza, depois de alguns anos, esses dois aprenderiam a gostar de viver e de amar.

Que livros que contrariam suas convicções mas que ainda assim você julga de leitura imprescindível?
A Divina Comédia, de Dante.

Cite exemplos de livros assassinados pela tradução e exemplos de boas traduções.
Não tenho competência para analisar uma boa ou má tradução.

A literatura contemporânea é muito criticada. Que livro (s) publicado (s) nos últimos dez anos mereceria, para você, a honraria de clássico?
Budapeste, de Chico Buarque.

Para que clássico brasileiro, de qualquer tempo, você escreveria um prefácio incitando a leitura?
Vidas Secas, de Graciliano Ramos.

Sobre a crítica:

- Que livro festejado você detestou?
O Mestre de Petersburgo, de JM Coetzee.

- Quais bons autores você só descobriu alertado pela crítica?
O poeta Manoel de Barros.

- Que virtude preza na boa literatura?
A provocação.