Pina Bausch

  Apresenta-te, homem!

  Apresenta-te, mulher!

        Minueto da vida.

              Frenesi das cavernas.

                       Gargalhada dos deuses.

  Apresentem-se!

  Somente os corpos,

  desenhados no espaço,

  alma e músculo,

  para frente e de fasto,

  consagram

  o verso,

  o ritmo,

  o fato.

              Coisa só,

              única

              e multidão.

  Homens, mulheres,

  jovens e velhos.

  Apresentem-se!

  Que a verdade do corpo

  é prece.

  A trama da pele

  é memória.

  E o desenho da dança

  amanhece.

  Apresenta-te!

  Mistura de tempo

  e cores.

  Dança na rua

  e no vale.

  Lenço vermelho

  na terra.

  Movimento

  de pintores.

  Que o encontro

  é ação.

  O beijo

  é palavra.

  E o corpo,

  ablução.

  Apresenta-te!

  Água pura,

  amiga dos olhos,

  molha a rocha

  no centro do palco.

  Apresentem-se!

  Bailarinos

  do fado de Coimbra,

  "teus olhos

  são duas

  Aves Marias".

  Lamento,

              canto latino,

                            notas clássicas,

                                          calmaria.

  Partitura e jogo.

  Apresentem-se!

  Negros, brancos, italianos,

  coreanos, espanhóis, baianos,

  suecos, alemães, mundanos...

  Apresentem-se!

  Que a dança

  acolhe a todos.

  Criança no contratempo.

  Dança:

  raiz

  de vento.

  Apresentem-se!

  Para a arte

  de longas mãos,

  cabelos compridos,

  magra e frágil.

  A dos quatro elementos,

  de profundos olhos azuis

  e rosto cinzelado.

  A dona do Café Müler.

  A Arte.

  Apresentem-se!

  E chorem

  como a mulher do

  intervalo.

  A mulher dos cravos.

  Voltem para vê-la

  e apresentem-se,

  e chorem com ela.

  Algumas dores...

  (nem tudo são rimas)

  Tristeza...

  Esperança...

  Força...

  Leveza...

  Feitiço...

  Alegria...

  Apresenta-te!

  Pina.

Antonio Calloni