Homenagem a um grande pai italiano
Em seu livro de contos, Antonio Calloni mistura ficção pura com delicadas memórias da infância
Roberto Braga
A ilha de sagitário, de Antonio Calloni. Editora Bertrand Brasil, 108 páginas. R$ 18
Por volta dos anos 40 de idade e 20 de carreira consagrada de ator, Antonio Calloni publica pela Bertrand Brasil um livro de contos, "A ilha de sagitário", a ser lançado no dia 5 de março, no restaurante Grottammare (Gomes Carneiro, 132). Já havia publicado outro, de versos - "Os Infantes de dezembro" - no ano passado. Neste segundo livro o leitor encontrará 11 histórias, algumas mais autobiográficas, outras de ficção pura, outras de receita variada.
A primeira dá nome ao livro e uma pista para decifrar o poético título. Recorda o pai italiano, "o grande homem de dezembro". Faz calor e pode ser dezembro no Brasil. Quem gosta de horóscopo sabe que sagitário é o signo dos nascidos entre 22 de novembro e 21 de dezembro. E em outro conto do livro, "Uma festa muito antiga", há uma data de aniversário: 6/12/1995.
Além disto sagitário é o signo do zodíaco inspirado em uma constelação do Hemisfério Sul e representado pelo centauro (monstro fabuloso metade homem metade cavalo), que empunhava um arco retesado armado com uma flecha. E Ennio, pai do autor, amava a caça e a pesca, e passa esse prazer de matar ao filho, mas em um contexto politicamente correto, como se costuma classificar atualmente: "matou, comeu".
Quanto à ilha o significado é explícito no primeiro conto: o pai sonhava ter uma ilha onde pescar "e ouvir tranqüilamente o berro ácido da gaivota". Este conto é dedicado pelo autor "para meu eterno herói". Após a leitura não resta dúvida - é o pai o herói.
Onze contos, o mesmo número de jogadores de uma equipe de futebol. Assim como no jogo das "chuteiras imortais" (Nelson Rodrigues), vale muito o conjunto, o entrosamento, o estilo de jogar. E é inegável que o autor tem um estilo elegante, agradável de acompanhar como se participássemos de um jogo literário.
De alguma forma também comum aos 11 escritos, Antonio Calloni passa que é um poeta, habituado ao ritmo e à liberdade da poesia, que está exercendo a prosa. Isto proporciona um refinado sabor à leitura, semelhante ao prato oriental que o personagem degusta no conto "Os pavões".
Ator, escritor, uma receita que pode dar certo, como Calloni já demonstrou no teatro e na televisão, especialmente na novela "Terra nostra" e mais recentemente na adaptação do romance "Os Maias", de Eça de Queiroz.
Alguns contos são memórias, como foi dito a respeito do primeiro, outros são ficção pura, como em "Os pavões". E em outros a gente sente o escritor, este mentiroso bem-sucedido, que nos faz crer ser real aquilo que inventa, como acontece na história de Deodoro. Já a lembrança da "nonna", em "Uma velha sinfonia", mistura fantasia com a deliciosa narrativa de amor entre um neto e a avó caduca.
É neste território não demarcado entre memória e ficção que vive o livro. É neste mesmo território ou mar que navegamos a rota de "A ilha de sagitário", da mesma forma que ainda outro dia Antonio Calloni nos fez crer ser italiano, ele brasileiro, filho de italiano, em "Terra nostra". E o prazer e talento deste jogo de ilusão e sonho sem dúvida ele acrescenta à nossa vida seja como ator, seja como escritor.
ROBERTO BRAGA é jornalista
publicado no suplemento Prosa e verso do jornal O Globo
em 24 de fevereiro de 2001